terça-feira, 31 de julho de 2007

Por um Triz

Oco como pedradas tinindo o cristal, sem jamais quebrá-lo, apenas para testar seus limites e ameaça-lo, brincando de encontrar sua taxa de resistência média, como num cálculo furado e esquizofrênico. Brincando de abraçar o mundo, esse menino não fala nada porque não se vê. Ou porque tem medo de jorrar palavras, e quando o faz solidifica pedras no caminho – e com tanto medo de esculpi-las e deforma-las ele as engole antes de serem pedras: ele engana seu fluido que não flui: atravanca, emperra. Pensa coisas mais fluídicas e num lúdico ao avesso ele desata suas imagens fora de foco, ele tece meias com o cuidado de quem já furou o dedo e nem dói mais. Esse menino não busca mais às palavras, ele é todo sonho, e se cobre com a folha do arbusto – ele sonha-se em ser filho do mundo. E se acolhe. Tudo para abraçar a si mesmo.
Foge das palavras repetidas, dos sentimentos viciosos, do mesmo erro dos mesmos. Ela queria um céu, mas ganhou uma lata. E não sabe o que fazer com a lata depois que já se bebeu tudo. Ele não quer fazer escultura pois tem medo de perder sua lata – e a forma da lata é uma forma sentida só por ele e é tão dele quanto nunca foi lata. Por isso contempla a lata, apenas. Aceitando-a. Mesmo que para isso lhe seja necessário a servidão, o cárcere da própria forma da lata. Seus olhos permeiam lentamente além do contorno e menos lata e menos ele se encontram ali. Numa súplica de comunicação, ele não fala, mas quer ser ouvido.
Talvez fosse melhor que lhe pintassem um retrato. Assim poderia ser o que quiser. Herói. Anjo. Sábio com barba branca e sorriso meigo. Com aquele olhar maduro e certo que no menino ainda é só numa esperança e numa referência torta. Pois ele usa do que lhe é ofuscado e premisso ainda para servir-lhe de comparação. No retrato, poderia ser o melhor dele o qual nem acredita. E poderia deixar lá todas as suas cobranças.
E então, guardado numa pincelada, como uma redoma épica, ele poderia ser todo seus medos novamente. E não precisaria cobrir-se no arbusto, como se fosse feio demais para mostra-se. O menino não se achava digno de uma beleza. Mas sendo belo na figura, ele poderia permitir-se ao fracasso. E abrir a lata e errar com ela. E sê-la sem teme-la. Conjugues. Ele poderia então arriscar um mergulho nos seus labirintos e meandros , tão sofisticados e herméticos que ele precisa fingir ser outra coisa – que é só criança burra, que é só um pirralho oco. Mas assim ele se entendia. E vivia mais longe de todos porque assim era melhor. Não fazia parte do mundo que afinal era seu pai. Ou fazia tanta parte que fugia de medo. E sabia que o leão era o rei da selva porque o elefante não sabia da força que tem. Quando fosse pai, o menino seria todo uma folha de arbusto.Pegou sua lata, e pensou, ou nem pensou, tão irreverente que era ser por um triz: a enterrou: pobre de espírito que era. Iria rega-la todo o dia. E talvez um dia nasceria uma árvore de latas. E poderia fazer quantas esculturas quisesse, pois a criação seria inesgotável, enquanto a sua criança ainda o quisesse pensar em formas. Gostava de errar quando não perdia nada. Queria garantias – logo nesse mundo onde as catástrofes sempre esquecem de mandar convite. Mas tinha um plano: iria enterrar-se também. Sabia que não era o modo certo de fazer as coisas. Talvez o certo seria usar de um só de si e jogar-se no abismo. Mas não sabia fazer assim. Pensou que se ficasse oculto aos olhos do sol que julgam tanto e definem e amoldam, pensou que poderia regar-se todo o dia lentamente, e então dele brotariam milhões, e de tantos “ele” poderia com cada um ser uma forma, e os que não desse certo jogaria fora. Como Deus faz com os infinitos planetas. Talvez ele assim conseguiria abusar-se e obter-se com o melhor rendimento possível. Talvez desse certo. Era arriscado. Mas esse era seu modo torpe de fazer as coisas. Tão irreverente que era ser por um triz.