quinta-feira, 9 de agosto de 2007

O Criador e a Criatura

Era um cavalo e chovia muito. Não que a chuva fosse boa, mas molhava gostoso e o cavalo estava nu. Não que nudez fosse boa, mas o cavalo nem sabia se chovia e muito menos que era gostoso porque estava nu. Pisava nos buracos lamacentos, mesmo sem saber o que era lama. Estava nu, molhado e a lama nos pés era gostosa. Não que a lama fosse boa, mas o cavalo não sabia o que era bom nem sabia que não o sabia.
Pior somos nós que pisamos na lama e a conotamos, conotamos nossos pés, nossa chuva, nossos buracos, nossa gente. Fossemos um cavalo nu, molhado, eslameado e inconsciente da própria inconsciência, nem saberíamos o que acham que seríamos. Então não-saber é o saber que me é abençoado pela minha consciência. Sei como é saber que ele não sabe. Sei como é ser um cavalo, mas não saberia se o fosse. Nem ele sabe que eu sei, nem ele sabe que eu sou, nem ele sabe que é. Mas eu sei quem não sou. Não sou cavalo. E o gostoso do toque da lama no cavalo nu e molhado é um sentido que se sente apenas para mim. Eu invento o cavalo e a essa idéia inventada me inventa. Eu não sei o porquê, mas isso me trás uma imensa liberdade. Eis o grande abismo entre Deus e os homens. Ser um cavalo não é, em hipótese alguma, melhor que pensa-lo.