sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Sobre a Culpa e a Falta

Nos livramos da culpa. E como nos livrarmos da culpa de não ter culpa? Se um ato adquire peso significativo em nossa suposta consciência, e desejamos, no mesmo nível de consciência, não nos corroermos pela culpa, não estaríamos errados por não sentir culpa de termos cometido um pecado tão pesado em nós?
Sim, eu permito-me ao abandono da culpa. Mas me culpo por isso: sinto-me mais culpado. Estremece a sensação de que sentimentos são cadeias paulatinamente obsessoras. Nos livrarmos de qualquer culpa implicaria livrar-nos do próprio ego. Ego – essa cidade sitiada, donde brotam florestas encrenqueiras, que se entrelaçam e muram-se a si própria; essa cidade persona que estabelece o certo e o errado.
E não estamos preparados para isso – ainda queremos olhar para os nossos retratos e firmar a certeza de que somos alguém. O alguém que chora, que murcha, que urge, um alguém que apela e atropela, esse alguém culpado que culpa e cospe e renega o outro com a mesma autoridade com a qual não enxerga a si.Talvez minha culpa seja escorregar ao invés de saltar no abismo, seja capengar ao invés de pousar, seja representar ao invés de dar-me. Minha verdadeira culpa é ter um eu a quem culpo. Jogo nele meus segredos mais ousados. De uma ousadia boboca. Mas que em mim expande-se e ultrapassa-me. Minha capacidade de fugir de mim é a mesma com que culpo as minhas faltas de fuga. Pois é certo: quando nos descobrirmos e nos acertamos em finalmente dar cara à tapa, receberemos carinho. E agradeço a mão do outro que prova a existência de minha cara. Afinal: só sinto culpa pelo outro, e apenas através dele me liberto. Falta coragem. Falta palavra. Falta dar a cara à tapa. Falta aceitarmos a falta. E jamais nos culparmos por ela.