sábado, 25 de agosto de 2007

O Nosso Comedido

No final das cartas havia um nome mudo. Gostava de lê-lo e de pensa-lo. Na mesa havia respostas perturbadas. Havia esperança contorcida, ressalvada pela luz da lâmpada seca. Criava sombras. Gostava mais das sombras do que dos sonhos.
Fantasmas pairavam e brincavam de gritar sem ninguém ouvir. Mas alguém ouvia. Pois quem grita, grita a si próprio. E este, seja quem for, ouve. Poderíamos viver desligado dos outros? Afinal, a visão é tela, o ouvido caixa e a consciência um projetor? Somos, então, um cinema? Que angústia é ver um filme e não poder sê-lo! As luzes se acendem, mas na verdade se apagam. E queda qualquer coisa que cala profundo: a bolha de sabão que explode e não é nada, só o que era. É possível sermos uma idéia do que fomos?
Afinal, se somos cinema, quem nos assiste? Quem é a emoção da pipoca, o brilho dos olhos, quem é o nome no final das cartas? Sou então a lâmpada seca. E a carta é o outro. Intangível. Invariavelmente hermético. O toque não é troca. Troca não é penetrar, é assumir.
Meu filme é meu grito. Sou meu fantasma. E ouço. Mesmo que o nome no final da carta não seja eu. Sou quem grita a carta. E sua existência depende de mim. Parem, pois, de querer escutar os gritos dos fantasmas, de separar a carta do leitor, de achar que o mundo tem uma beira e um bueiro!
Vamos falar de amor. Este é troca. Quando é que trocamos na vida? Não, tudo é toque, tudo é torto, tudo é sombra. Até a própria luz é a própria sombra. Enquanto quisermos atritar para unir, não seremos um só. Nossas casas são construídas assim. De atrito e cimento. O amor não é cimento. Nem é casa. O amor é duas mãos unindo-se em uma. E não existe uma que faz e outra que sofre. Existe um só. Dói ouvir isso, mas o amor não é ego. Não existe o eu nem o outro. Só o amor.
Por isso os fantasmas gritam. Por isso o cinema chora. E as cartas não dizem aquilo que buscamos ler. Nem a lâmpada consome o ato iluminado. Amor não é luz, mas a luz é amor. E nós também.