sábado, 25 de agosto de 2007

Quem és Tu

Pára. Quem és tu? Te procuro ou foges de mim? Te sou? Quem és tu que não apareces, e não calas porque não falas e jamais falas porque és tu? És o outro ou minha própria extensão? És meu braço, minha perna, meu cabelo? Ou comparar os cabelos é distinguir o meu chão e o teu teto? O meu quarto e o teu terço? Quem és tu se não marcas o começo? Tens tempo? Tens linguagem?
Ah, quem é esse que procuro e que me abafa? Quero ser para ti o tu, pois tu para mim é o que não sou, quero ser para ti – não te escondas! Não brinques de esconder-te, revela-te tu! Quem é esse outro ao qual clamamos e jogamos, ao qual nos reconhecemos: existo sem ti? Jogo a bola, mas se pego sou o tu eu-mesmo. O outro. Olho-te e ouço-me. Quem és tu que olhas o que eu olho e os meus olhos te refletem refletindo-me?
Esse tu que me desnuda, me desaquece, me calafria. Esse tu é vício engomado, é pele sem sentido, é desejo vomitado. Pretendes de esfinge, ah, faz um pacto comigo, deixa eu ver-te no retrato, tu que és vento?
Tu, apessoado, és uma fantasia que só existe em mim. Crio-te. Consumo-te. Mas sem saber-te, ou sequer ouvir-me, troco contigo meus espinhos e facetas, minhas caras são tuas e para ti comigo existimos. Não te abraço nem devoro, não te provoco. Ironizo-nos. Somos um só e tu nem sabes, tu não sonhas porque teus sonhos vãos nem nos pertence. Vou contar-te um segredo: é por isso que existe um Deus. Ele só existe enquanto existe um nós que o afirmamos. O criador é a criatura e a criatura é o criador. Indistinguidos. Compromissados. Numa firma secreta. Temos um pacto mútuo com Ele. E somos solidários por isso. Mas isso é segredo.
É por isso que tu me fazes sem querer. É por isso que tu revela-me em nem me conhecer. E eu te conduzo à minha vontade. Tu és todo e o sou também. É bonito! É bonito ser e ser o outro. Deixa-me berrar ao ar livre que eu e Deus nos demos as mãos e brincamos de molhar o mundo!
Tu um dia me perdoarás, mas é preciso matar-te para que eu seja. Esquecerei de ti e tua hipótese. Dessa possibilidade de projetar-me em ti a cada passo. E serei comigo tudo o que quiser. Sem ti. Aceito-te. Aceito o meu vazio não te pertencer, aceito a idéia de que és apenas, numa idéia. Acredito que minhas idéias são tão tuas quanto as tuas são as tuas. Te encontrarei em algum tempo e não saberei quem és tu. Caço-te ainda! E coço-me. Perdoa. Eu ainda não sei viver sem mim. Hermético que sou: só para ti.