sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Convulsões

Roga, abusa, rouba, casa;
Aprisiona, insiste, demarca,
Insiste, insiste,
Queima, queima,
Insiste: amolda;
Escuta, ouve, fala, tenta.
Desliga, guarda, cala, some;
Pisa, pensa, repensa, despensa,
Tinge, picha, foge, esconde;
Omite, finge, ofusca, entorta.
Engloba, expande, atinge, desiste.
Apaixona, ousa, lambe, morre,
Urge, volta;
Retorna, contorna, desemboca,
Desembucha, murcha,
Treme, sente, pisca;
Estica, estica, estica;
Crava;
Atrita, atrita, contorce,
Alonga, permanece;
Mira, foca, relaxa.
Renega, mente, transmite, aprecia,
Olha, recua, olha, invade.
Avança, balança, arrepende,
Avança;
Ama, baba, expande, cala;
Beija, afaga, suja;
Sonha;
Teme, teme, teme;
Junta,
cola, teme,
quebra;
Ultrapassa, acelera;
Lava, seca, passa;
Veste, calça, penteia, cheira;
Anda, corre, pára, bebe;
Prova;
Lê, enxuga, deleta;
Rebola, solta, doa, cansa;
Come, come, come;
Muda, retoma, abjura, concorda,
Masturba;
Infantiliza, debocha, gosta,
Pechincha;
Esnoba, inibe, guarda, retém,
Senta, pega, amassa, rabisca,
Ri, entretém, diverte;
Silencia, aguarda, espera,
Provém, assiste, engole,
Seca, entope, racha,
Briga, culpa, odeia, espuma;
Arranha, puxa, mostra;
Revela, entrega, perdoa,
Convence, seduz;
Aperta, afrouxa;
Aperta, afrouxa;
Constrói;
Relaciona;
Bate, brinca, morde,
Associa, rompe, inova;
Pinta, pula, canta,
Goza, deseja;
Almeja, revê,
Desenrola.
Exemplifica, delega, enrosca;
Vive e pensa,
Pensa e vive;
Vive e brocha.
Cria.

À Emergência de Um Grito Qualquer

Estou hoje à emergência de um grito qualquer. Que não fosse minha inconsistência e minha incompetência em ser um grito, talvez eu fosse mais meu e menos do vento. Mas meus olhos insistem no sufoco de não poder voltar para dentro, de modo que a minha vivência se dá ao contrario da minha busca: vou de fora para dentro, com todo o concreto arrumado e todo perfume delgado denunciando o que é externo e incapaz de me pertencer.
Sei, entretanto, que toda essa dor é fruto de um apego mesquinho e rudimentar: moldar o abstrato com as mãos: senti-lo e transforma-lo ao bel-prazer. Besta que sou, na unilateralidade atolada, que preciso antes desfazer-me do egóico para então ser livre e então terei olhos dentro apenas porque dentro será uma referencia apenas sentida. Sou todo emoção, mas escapo antes de sê-lo, pois uma vez assumido firmo um compromisso com o sentimento sentido e essa responsabilidade seria a morte de todas as minhas pretensões. Estou a emergência de um grito qualquer, preso que estou, tentando derrubar paredes a gritos e virar os olhos para ver se atravesso meu muro e descubro que por trás dele há o melhor de mim que respinga cego em ainda não ser. Mas sei que minha consciência ainda brincará de surpresas e sobressaltos. Pensar que posso ser surpreendido por mim me mantém acordado todos os dias. E rezo para o sol. Que não sou eu. Mas me acusa quem sou, espécie única.

Meu Tempo

Meu tempo de maturação é indefinido e impenetrável. Não sou nada enquanto ele. Portanto não exijam de mim respostas se inda não as tenho. Meu trabalho comigo é incansável e eu já estou cansado dele. Mas é assim que funciono: me parasito até extorquir-me e obter-me o melhor abuso. Pois dessa lambida seca, que se torna um lixar agudo, é que vou me despedaçando e me reconstruindo. Não tenho como colocar-me no casulo, nem como depois ejacular-me a mim mesmo, mas no meu tato as coisas se sentem sem cardápio.
No meu tempo de maturação, as palavras perdem seu valor matemático. Pois quando falo céu, invariavelmente imaginamos aquela coisa azul que enxergamos ao inclinar a cabeça, estamos estritamente presos à imagem que fizemos previamente do céu. Mas isso, para mim, na minha possível maturação, é irreconhecível. Pois quero falar de céu como uma vastidão que funciona sozinha, como um limite que expande mas sempre teme a queda, quero colocar no meu céu o meu desconhecido, a minha amplitude remunerada, quero invadir no meu céu como um lado meu sem teto nem chão, quero que o meu céu seja sexo e poesia, ou gula e vitória, ou prazer e claridade. Sei também ficar preso no céu: recalcitrante, sei aprisionar-me nas minhas idéias imprecisas e não-numéricas: feito pássaro batendo na janela: me perco de mim no meu céu.
Quando estou nos meus momentos, não me dôo, apenas absorvo, cínico. Sou desorganizado e desatento. Sou patético e grosso. Não sei pensar no mundo quando não tenho certeza de mim. Não posso jamais apertar parafusos alheios enquanto estou frouxo e desengonçado. Preciso respirar e resguardar o que tenho de mais tuberculoso.
E quando meu tempo de maturação acaba, sou obtuso e nem me lembro mais. Me aguardo a cada instante, e cuido de mim porque também sou amor. Nesse tempo, me reconstituo e me tomo com calma e prazer. Mas um prazer poético. Quase estético. Só me resta o vazio bom, aquele que talvez tenha vindo à custa de dor e apego, mas que depois reboa bem saudável no peito, como uma velhice sábia e justa. Acolho e não temo mais temer-me.
No meu tempo ou fora dele, sou o que sou. Não por uma escolha escolhida, mas por uma atenção dirigida.