quinta-feira, 19 de julho de 2007

Fugido

Era a primeira vez que topara com isso e não estava acostumado a sair. Viu como eram brilhantes os olhos alheios, ou qualquer coisa alheia, e se assustou. Fugiu feito um beato pobre e chorão. Mas fugiu e fugiu bem fugido, como se para isso sim fosse macho e honroso. E não pensava. Não tinha mais porquê ou sequer motivação para reflexões que muito provavelmente apenas denunciariam sua estupidez. Ele agora era hermético e caminhava só. Roia as unhas e não havia nada além que pudesse fazer. Essa insegurança do fazer o alertara outrora sobre como mastigar suas próprias inquietudes. Não sabia domá-las e se achava feito de açúcar: como sentir seu gosto? Ele tantas vezes formigava seu próprio peito, sem assumir do mel que este produzia porque afinal era rígido e forte e não vacilava nos buracos estreitos e omissos da rua em que caminhava; e por isso caminhava, feito criança no parque com algodão doce, espalhando pipoca e doando energia; não, não era assim, era como um bandido fugitivo, como um monstro escondendo-se (desses que assustam para não se assustarem), era como um assassino, um infanticida, matando de vez a sua criança. Queria rodar nas alturas. Mas só pensava em fumaça e cinzas. Afinal era disso que constituíra-se em seu percurso mágico. Fechou os olhos, parou de andar. E caiu em si mesmo, num lapso de amor. Sentou-se ali na poeira e abraçou-se. Nunca mais abriria mão de si. Rolou pelo chão e prometera que não seria sua presa. Sentiu seus braços sobre a terra, e por um vislumbre subitamente humano seria capaz de abraçar o mundo num só abraço. Ele, tão pequeno e supérfluo às dinâmicas de outrem, foi crescendo, crescendo e inflando feito um balão colorido e sangrento. Voava no chão como nunca voaria pelos ares. Aqueceu-se e deixou-se perder nos sentidos. Como se toda a vida se esgotasse àquele chão. E ali ele todo estaria, e seria, fosse santo, porco ou fosse mãos.