segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Quando Não Entendo

Não entendo como se forma o que nem se vê, como não se vê o que está bem na frente; talvez forjamos que não vemos, nos protegemos, ou talvez a coisa se esconda – mas não vemos e não entendemos e não sabemos como seria se fosse diferente. Talvez meu pecado seja este: querer decifrar o incorpóreo, sendo que o corpóreo é também invisível – quando nos aprofundamos, a coisa some e não é mais. Fosse, saberíamos que não passamos de uma idéia. Sou o princípio de alguma pobreza apropriada, sem fim, sem luta nem resto. Sou inodor porque vivo apenas nas minhas fantasias. E brinco de ser e de não entender. Brinco de existir quando na verdade insisto. Sofro pelas dores não-sofridas, busco no outro a minha dor. Busco no outro o eu que não enxergo, e nem no outro enxergo, pois o outro é outro e não eu. O que é eu? O que completa o que não é eu?
Precisamos esquecer de quem somos ou queremos ser para poder entender. Enquanto acharmos que o mundo se divide entre platéia e público, assim será. Pois então que ninguém me exija definir o indizível, que ninguém queira ver o que não vibra na freqüência dos olhos, que ninguém queira ouvir sentimentos difusos, que ninguém busque em pés alheios a própria nudez. Meus pés descalços guardam consigo a minha própria timidez. Isso é meu segredo. Para outros, os pés são do outro. Só para mim meus pés são meus. Gargalho. Procuro sempre no terceiro o meu primeiro e se eu aceitasse em mim a minha nudez, ninguém mais seria nu. Teremos vergonha o dia que descobrirmos isso. Ao passo que a vergonha não será mais temida.