sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Mas há a alegria

Mas há a alegria. A alegria mansa que abarca inteiramente e não nos assusta porque é sutil. É nessa alegria que o sentido se faz quando não há razão nenhuma à mercê da ignorância bruta. Essa alegria não se apresenta, oi, como vai, é como fogo que não se vê e nem se toca, apesar de arder por dentro, porque é apenas um estar no mundo.
Há uma alegria que se dá quando não se sabe que se é alegre. Quando se pensa que está sendo alegre, não se está mais. Por isso essa alegria gera tensão depois que se foi alegre com ela. Pois causa a dor da perda. Mas essa alegria é um risco do qual estamos, e ainda bem, reféns; eu, você, qualquer um, quer queira quer não, pode ser a ingrata próxima vítima dessa alegria, quando conheceremos as glórias abstratíssimas e o descaso do não-merecimento. E, apesar de tudo, não adianta fechar-se a essa alegria. Quando presente, é infalível. E sempre vem. Mesmo nos mais rancorosos e nos que não se permitem. Ela pula a guarita e tem o dom da surpresa. Pode-se chamá-la quase de infantil, mas, em verdade, ela é boba o suficiente para ser mal de adultice.
Vivo nessa alegria o quanto posso ser eu, e nesses instantes não há mais nada a ser procurado e nem pensado, e nada pode escapar pelos dedos. Ela aparece justamente quando nos distraímos de querer pegar tudo com os dedos. Por isso, não é aconselhável tentar pegá-la com os dedos: o resultado pode ser desastroso: sorrisos armados, piadas mal-feitas, intenções ecoadas a esmo. Na verdade, a alegria mansa a que me refiro jamais escapa pelos dedos. Nós é que a sobrepomos com nossas tensões e o nosso medo do fim da festa: quando se estouram os balões e, sem querer, sangram junto os corações.
Mas, bem, há, de fato, a alegria: e ela é só cama elástica quando nos lambuza. Basta esquecermos de nós e nossas cobranças. Basta não inventar desculpas para que nossas cobranças não sejam esquecidas. Ela também não é reduzitível, ou somalizável e nem se pode contá-la no jantar, pois seus princípios são meio risíveis. Às vezes uma criança chutando um poste, um mendigo de guarda-chuva, um sapato furado, ou um domingo todo bebível. Enfim, imprevisível. Essa alegria aparece na empatia de um bom encaixe: quando a perfeição se antecipa de ser perfeita. E por isso perde a sua conotação traduzível. Gosto, gosto muito das alegrias sem motivo.